quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Entrevista com Madre Felicy Braga

Monsenhor Maurício Curi, autor do livro “Crianças Brasileiras, O Amor tudo vence” sobre Jobair Gen 3, o Menino de Aparecida, entrevista Madre Felicy Braga, Fundadora da Congregação das Mensageiras do Amor Divino.
Aparecida do Norte, 13 de julho de 2013

Foi com satisfação enorme que me encontrei com Madre Felicy Braga. Neste momento conta ela 86 anos e vive na Casa Mãe da Congregação, em Aparecida. Pude estar, igualmente, com o Padre Eduardo Moriarty, também Fundador da Congregação, conhecido meu também de velha data. Sendo eu, na época, Vigário Cooperador na Catedral Nossa Senhora do Paraíso, no Bairro do Paraíso, em São Paulo, pude oferecer alguns serviços às Irmãs desta Congregação. Eu as havia conhecido lá pelos anos 70, no Bairro da Bela Vista, em São Paulo. Nosso contato nasceu através da Irmã Rosária de Souza, com quem estive também em Aparecida, que se interessava na ocasião pela Espiritualidade do Movimento dos Focolares.
As Mensageiras do Amor Divino moravam, então, no Pensionato mantido pela Liga das Senhoras Católicas (hoje com o nome de Liga Solidária), estando situado na Rua Jaceguai, 394, no Bairro da Bela Vista.
Mas vamos ao depoimento de Madre Felicy Braga sobre o nosso Jobair:

Quando eu soube que Jobair estava internado no Hospital dos Servidores em São Paulo, resolvi visitá-lo, pois se tratava de gente conhecida nossa lá de Aparecida. Embora nossos sobrenomes, “Braga”, se encontrem nas duas famílias, não temos nenhum parentesco. Indo visitá-lo, de vez em quando, vi que os pais do menino estavam sempre lá. Tendo nós na Liga, onde morávamos, um apartamento para hóspedes, e sabendo que o tratamento do menino, que estava com câncer, podia ser longo, resolvi convidá-los para ficarem hospedados lá na Liga, naquele quarto de hóspedes. E com os pais eu ia quase diariamente visitar o menino. Meu objetivo era também o de dar força para os pais. Posso dizer que “assumi o caso”, quero dizer que decidi acompanhar a situação da família amiga, para servir de consolo e conforto naqueles momentos difíceis.
Entre os fatos que presenciei, lembro-me do dia em que ele viu a sua mãe chorando.
Ele perguntou: “Por que está chorando, mãe?” E vendo que ela não respondia, ajuntou logo em seguida: “Será porque eu vou morrer? Quem não morre não vê a Deus”. E então exclamou Madre Felicy, após relatar-me este fato: “Ó menino bom! Para ele era este um motivo suficiente para morrer: para ver a Deus!”
Outro caso de que lembro, continua Madre Felicy, é a história de um pastor protestante. Este vinha ao Hospital para conversar com os doentes. Ele me disse um dia: eu não gosto de ver meu pai conversando com este pastor. Ou melhor, dizia ele: não gosto de ver o pastor conversando com meu pai. Não queria dizer que não gostava dos evangélicos, enquanto pessoas. Para mim isto significava que ele tinha enorme apreço pela sua própria religião, a católica, que era católico de verdade e não podia aceitar que seu pai um dia pudesse mudar de ideia quanto à sua religião e aderir a pastores de outras Igrejas ou comunidades evangélicas.
A cruz foi uma realidade também na vida do pai do Jobair. A diabete lhe causou uma gangrena tão destruidora que ele acabou tendo de amputar a perna direita. Isto foi após a morte do Jobair.
Quanto à sua mãe, ela também teve de carregar uma outra pesada cruz. Depois que perdeu o Jobairzinho, ela quis engravidar para que uma outra criança viesse ocupar o lugar do Jobair que lhe fazia tanta falta. O menino que se chamou Daniel veio com Síndrome de Down (uma criança especial). Este menino morreu muito depois da morte dos pais. A primeira reação da mãe foi negativa: “Esta cruz eu não levo”! Mas levou! Levou mesmo! Aceitou! Afinal, levou com amor! Quero dizer, arrematou Madre Felicy, convencida de que algo extraordinário havia acontecido: “A mãe recebeu a graça!”
Madre Felicy ainda tem algo a dizer de que se recorda muito bem:
“O Jobairzinho oferecia tudo o que estava vivendo naqueles últimos dias de vida pelo Papa, pela Igreja e pelas Famílias, e às vezes acrescentava as palavras “Para a sua família também, Madre!”. E lembra também, Madre Felicy, que Jobair não esquecia de oferecer tudo pela Chiara Lubich, a Fundadora dos Focolares, que estava também muito doente naquela época, e estava hospitalizada.
Padre Rodolfo Anderer, CSsR, que se encontrava presente durante esta entrevista, interveio neste momento e lembrou de algo que se disse após a morte do Jobair:
“Na época dizia-se: Jobair foi para o Céu e Chiara voltou para casa”. Chiara havia deixado o hospital um mês após a morte do Jobair. Padre Rodolfo recordou-se também dos enormes pôsters que foram feitos com o retrato do Jobair e da canção do artista Titico que foi cantada durante alguns anos após a morte do menino de Aparecida. Dias depois, comentando eu este fato com o João Manoel, focolarino, ele cantou para mim e alguns presentes, quase toda a canção de que se lembrava textualmente,mesmo após os quarenta anos passados.



Anjos e Santos

Depoimento de Angela Mercado ao Monsenhor Maurício Curi.

Quando eu soube que Jobair era um Gen 3, como eu e que ele estava internado em estado grave, fiquei muito assustada. Afinal, como Deus podia permitir que alguém tão especial pudesse sofrer tanto e morrer? Tínhamos a mesma idade e não entendia por que razão Deus o escolhera.
Durante minhas visitas, eu pude sentir a sua reação tão diferente das crianças da sua idade: era menino mas, com reflexos adultos! Hoje, compreendendo melhor o sentido da palavra sabedoria, posso dizer que Jobair possuía esta virtude. Na verdade, eu já descobrira isto naquela época, mas não com a clareza de hoje. Com sua pouca idade, possuía um conhecimento justo e correto da vida, tinha um discernimento claro do melhor caminho a seguir. Ele sabia que o sofrimento é passageiro e que a morte era um momento somente da sua existência aqui na terra, e que, em seguida, nos encontraríamos todos novamente. Sabia, com certeza, do sofrimento de Jesus e de sua Mãe, e do amor de Deus por ele.
O filósofo Confúcio nos ensina que há três maneiras para se adquirir sabedoria: por reflexão, imitação ou por experiência. Pois bem, Jobair foi mais além: por ter sido alvo de uma ação divina, já nasceu assim, um sábio, um virtuoso nas coisas de Deus! Era uma criança de onze anos com uma postura madura perante a vida e o sofrimento, e com um discurso religioso que raramente se encontra em pessoas adultas.
Milagres? Em poucos meses, ele modificou a vida de muitas pessoas, com sua vivência, carisma e sofrimento. Um herói, um anjo, um santo, um filho que o Senhor nos enviou para nos transformar, exercendo mesmo uma ação divina sobre a humanidade.
O que mais poderia dizer? Ele mudou a minha vida, ensinando-me a ser mais feliz, a ser forte nas dificuldades e menos egoísta. Ensinou-me a sofrer, sem que eu considere o meu sofrimento o mais importante e o maior do mundo…
Quero deixar aqui os meus agradecimentos ao Padre Maurício por me haver dado a ocasião de registrar minhas impressões nestas páginas, por suas orientações em horas tão difíceis e pelo seu carinho e empenho com relação a esta publicação. Ao Gianni, minha gratidão igualmente por seu depoimento tão lindo! Ao Ricardo Ramon Mercado, meu irmão solidário de todas as horas, por sua perseverança na edição deste livro. Finalmente, ao editor Moisés Limonad, nossos sinceros agradecimentos pela permissão dessa publicação em sua prestigiosa Editora.